Síndrome de X Frágil
Síndrome de X Frágil

                                      A Síndrome X Frágil

Sob circunstâncias normais, cada célula do corpo humano contém 46 cromossomos, ou seja, 23 pares de cromossomos. Esses cromossomos consistem no material genético (DNA) necessário para a produção de proteínas para o desenvolvimento do organismo, seja desenvolvimento físico, mental, metabólico... enfim, são proteínas responsáveis por todo funcionamento da pessoa. Vinte e dois desses 23 pares de cromossomos são iguais no homem e na mulher, mas o outro par restante (portanto 2 cromossomos) são os chamados cromossomos sexuais, denominados X e Y. Se o embrião tiver a constituição XY será homem e se tiver a constituição XX será mulher.
A Síndrome do X Frágil é uma condição genética herdada, produzida pela presença de uma alteração molecular ou mesmo de uma quebra na cadeia do cromossomo X, no ponto denominado q27.3 ou q28, condição esta associada a problemas de conduta e de aprendizagem, bem como a diversos graus de deficiência mental.
Apesar dessa condição cromossômica ter sido mais precisamente elucidada em maio de 1991, quando se seqüenciou o gen responsável pela anomalia, esse ponto frágil do cromossomo X já havia sido descrito em 1969 por Herbert Lubs, o qual descobriu a alteração numa família de dois irmãos com retardo mental. No final da década de ´70 esta condição foi denominada Síndrome X Frágil por Grant Sutherlan, enquanto as primeiras publicações científicas aparecerão no final dos anos 70.
A doença é muito mais freqüente em meninos que em meninas, talvez porque nos homens há apenas 1 cromossomo X, portanto, sendo este X defeituoso, não haveria outro X sadio para compensar como ocorre nas mulheres que têm 2 cromossomos desse tipo.
A alteração molecular fundamental desta síndrome se estabelece no gen denominado FMR1. A mutação consiste na repetição de uma seqüência de DNA em maior número que nos indivíduos normais, os quais apresentam de 6 a 54 copias. Nas pessoas apenas portadoras dessa anomalia cromossômica mas sem a doença clinicamente manifesta (normalmente mulheres), esta seqüência se repete de 55 a 230 vezes, e nas pessoas afetadas pela doença a amplificação aumenta até 4000 copias.
A mutação sendo completa, confere a este gen a ausência de seu produto proteico, o FMRP. Esta proteína está presente em muitos tecidos e, mais abundantemente, no citoplasma de neurônios. Ela é também de primordial importância para a conexão sináptica. É muito provável que a causa da deficiência mental produzida por essa doença seja conseqüente à carência dessa proteína na junção sináptica.

Características clínicas.

Os sinais da Síndrome do X Frágil são algo diferentes entre portadores homens e mulheres, assim também como é diferente a freqüência dessa ocorrência entre os dois sexos: 1 a cada 660 nascimentos em homens e 1 para cada 1.250 nascimentos em mulhres.

Nos homens:

1 - Região frontal algo protuberante.
2 - Fascie alongada
3 - Orelhas grandes e, freqüentemente, de implantação baixa.
4 - Leve prognatismo (projeção da mandíbula para frente).
5 - Macroorquidismo (aumento do tamanho dos testículos), em 80% dos casos.
6 - Retardo no aparecimento da linguagem.
7 - Severos problemas de atenção.
8 - Instabilidade de conduta, oscilando de amigável a violento.
9 - Pode coexistir um quadro de Autismo Infantil.
10 - Padrão de personalidade retraída, grave e que se evidencia logo na primeira infância
11 - Pode coexistir mutismo, indiferença interpessonal e atos repetitivos sem sentido.
12 - Pobre contato visual (olhar evasivo).
13 - Onicofagia (comer unhas), desde muito cedo.
14 - Hipotonia (flacidez muscular). Este costuma ser o que motiva a primeira consulta.
15 - Retardo intelectual de leve a profundo.
16 - Convulsões em 20% dos casos.

Alterações da Fala e Linguagem

Muitas crianças portadoras de Síndrome do X Frágil apresentam alterações da fala e da linguagem. A maioria delas não consegue elaborar frases curtas antes dos 2 e meio anos de idade. Normalmente a alteração da linguagem é detectada antes mesmo do diagnóstico da Síndrome do X Frágil. As alterações comuns da fala incluem a ecolalia (repetição de fonemas).

Características da fala:

1 - Fala rápida
2 - Rítmo desordenado
3 - Dispraxia oral
4 - Volume alto
5 - Habilidade sintática preservada
6 - Dificuldade na relação semântica (temporal, seqüencial conceitual, inferências)
7 - Boa capacidade imitativa de sons
8 - Bom senso de humor
9 - Uso freqüente de frases automáticas

 

Características Cognitivas

Os graus de deficiência das crianças portadoras da Síndrome do X Frágil são muito variados, alguns casos podendo, inclusive, ser percebidos como deficientes apenas por seus pais. Os graus mais leves são compatíveis com boa habilidade verbal e apreensão rápida dos estímulos ambientais, conseqüentemente a aprendizagem nesses casos é boa. Normalmente as meninas com essa síndrome, como dissemos, podem ter um funcionamento mental absolutamente normal.
O aprendizado dos portadores da Síndrome do X Frágil com retardo mental dá-se, predominantemente por estimulação visual e a maioria deles têm dificuldades variáveis para a solução de problemas. O aprendizado está comprometido na maioria deles.
O teste de DNA para o diagnóstico da Síndrome do X Frágil foi desenvolvido a partir de 1992. Trata-se de um exame de sangue capaz de detectar a presença da síndrome na criança.
 

Tratamento da Síndrome do X Frágil

 

Herman Bleiweiss é um dos autores que defendem tratamentos não apenas baseados na estimulação precoce dos portadores da Síndrome do X Frágil mas, principalmente baseados na utilização de neurotransmissores.
Bleiweiss diz que para uma abordagem terapêutica eficaz o diagnóstico deve ser completado, obrigatoriamente, com um estudo dos neurotransmissores. Isso é imprescindível para saber que tipo de alteração bioquímica se deve corrigir. Dependendo dos resultados desses estudos, inicia-se um tratamento que se ajustará às particularidades de cada caso.
Já houve tentativas de tratamento da Síndrome do X Frágil através de altas doses de ácido fólico, o qual melhorava sobremaneira o aspecto proteico de tecidos in vitro. Entretanto, as alterações de reparo cromossômico com ácido fólico eram apenas constatadas em microscópios óticos mas, a nível molecular essas melhoras não aconteciam.
Muitas dessas crianças (com convulsões ou eletroencefalograma positivos) são tratadas com anticonvulsivantes mas, no caso da Síndrome do X Frágil, os anticonvulsivantes podem agravar o quadro por diminuir ainda mais os níveis de ácido fólico.
O tratamento das psicopatologias que eventualmente estão junto com a Síndrome do X Frágil merece uma avaliação à parte, talvez pelo diferente metabolismo cerebral desses pacientes. Havendo Esquizofrenia, por exemplo, notadamente do tipo Esquizoafetivo, o tratamento mais eficiente é aquele que associa neurolépticos, valproato de sódio e lítio (Al Semaan).
Tanto os adultos quanto as crianças portadores da Síndrome do X Frágil apresentam freqüentemente problemas comportamentais. Esses problemas estariam relacionados à falta da proteína FMR1, proteína esta produzida pelo gen também denominado FMR1 o qual é seriamente afetado nessa doença. Essa proteína está normalmente presente em todos os neurônios e na sua falta, podem ocorrer alterações na própria estrutura cerebral, alterações nos níveis de AMP cíclico e alterações nos neurotransmissores. Graças à essas últimas alterações é que se pode pleitear o tratamento da maioria dos sintomas comportamentais desses pacientes.
Por outro lado, não são todos os portadores da Síndrome do X Frágil que apresentam problemas comportamentais mas também não são todos que respondem ao tratamento da mesma forma.
Evidentemente é importante lembrar que a medicação não é o único tratamento útil para os portadores dessa síndrome, sendo desejável que se utilize também a terapia psicomotora e da fala, bem como os recursos da pedagogia especializada.
Afortunadamente a maioria dos sintomas comportamentais, como por exemplo a hiperatividade, impulsividade, oscilações do humor, alterações da atenção, agressividade, ansiedade e comportamento obsessivo respondem bem ao tratamento medicamentoso.
 

Problemas de Atenção e Hiperatividade

Quase um terço das meninas e quase todos os meninos afetados pela Síndrome do X Frágil apresentam significativas alterações da atenção e hiperatividade. Na Europa e EUA a medicação de escolha para esses quadros é na base de psicoestimulantes; metilfenidato (Ritalina®), dextroamfetamina (Dexedrine®), or pemolina (Cylert®). A eficácia desses produtos está na estimulação que produzem nos sistemas noradrenérgico e dopaminérgico, melhorando assim a atenção e a coordenação motora. Os psicoestimulantes fazem ainda com que a criança tenha maior controle nos impulsos, controlem o comportamento e melhorem a auto-estima.
Calcula-se que os psicoestimulantes tenham efeito benéfico em 60 a 70% dos casos de Síndrome do X Frágil em idade escolar (Hagerman). Apesar das melhoras, os psicoestimulantes podem ter alguns efeitos colaterais que devem ser bem observados, como é o caso do aumento da pressão arterial, alterações do sono (insônia), tiques motores e mesmo irritabilidade se as doses forem altas. Entre esses psicoestimulantes o mais usado é o metilfenidato (Ritalina®) na dose de 0,2 a 0,3 mg/kg/dose, recomendando-se até 3 doses ao dia, dependendo de cada caso.
Uma alternativa aos psicoestimulantes tem sido a clonidina, medicamento usado também para o tratamento da hipertensão arterial. Esse medicamento pode melhorar muito o comportamento hiperativo mas não é tão eficiente quanto aos psicoestimulantes para os problemas de atenção. A clonidina pode ser usada até em crianças pré escolares a partir dos 3 anos de idade (Hagerman). Com a clonidina se elevam os níveis de noradrenalina tanto no Sistema Nervoso Central (SNC) quanto a nível periférico. Pode ainda ser usada em associação com psicoestimulantes, notadamente com o metilfenidato (Ritalina®).
A segunda opção aos psicoestimulantes recai sobre os antidepressivos tricíclicos, preferentemente a imipramina (Tofranil®), a qual acaba por controlar também a enurese noturna desses pacientes, comumente associada à Síndrome do X Frágil. Os tricíclicos só não são primeira escolha devido ao aumento da agressividade registrada em alguns casos.
A utilização de ácido fólico nos portadores de Síndrome do X Frágil tem sido muito controversa, resultando em benefícios de alguns casos e sendo indiferente em outros.

Oscilações do Humor e Agressividade

Oscilações do humor e rompantes agressivos são comuns em meninos com Síndrome do X Frágil. A agressividade predomina nos pacientes adolescentes e adultos jovens, incluindo aqui também as meninas. Os antipsicóticos e tranquilizantes (benzodiazepínicos) prescritos para esses casos no passado mostraram-se ineficazes.
Atualmente os estabilizadores do humor (não anticonvulsivantes) são indicação formal para esses tipos de problemas afetivos e do comportamento agressivo. Para tal tem-se usado a carbamazepina (Tegretol®), o ácido valpróico (Depakote® ou Depakene®), a oxcarbazepina (Trileptal®). Como primeira alternativa à esses estabilizadores para problemas afetivos e do comportamento agressivo do humor, pode ser tentada a fluoxetina (Prozac®) ou outros inibidores seletivos da recaptação da serotonina, como por exemplo a sertralina (Zoloft®, Novativ®, Tolrest®).
 

Ansiedade e Comportamento Obsessivo

A ansiedade é também um problema comum nos pacientes com Síndrome do X Frágil, manifestando-se particularmente quando eles se defrontam com situações novas. Ataques de Pânico podem ocorrer tanto em pacientes meninos como meninas.Para esses casos tem-se preferido o ansiolítico buspirona (Ansilive®, Buspar®) aos benzodiazepínicos. Talvez devido ao seu efeito (discreto) na recaptação da serotonina a buspirona tem tido um efeito muito melhor que os benzodiazepínicos na ansiedade desses pacientes.
Igualmente para a ansiedade, também se recomenda como alternativa da buspirona os antidepressivos inibidores da recaptação da serotonina, como dissemos, a fluoxetina (Prozac®) ou outros farmacologicamente similares, como por exemplo a sertralina (Zoloft®, Novativ®, Tolrest®). A imipramina e a clonidina podem ser úteis quando a ansiedade é conseqüência de hiperatividade. Esses antidepressivos são também muito valiosos no tratamento do comportamento obsessivo, notadamente a clomipramina (Anafranil®).

Ballone GJ - Síndrome do X-Frágil, in. PsiqWeb, Psiquiatria Geral, Internet, atualiz. 2000, disponível em http://www.psiqweb.med.br/infantil/xfrag.html



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RECOMENDADO

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